quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Uma região forjada a duras pedras



O que o Obelisco do Ibirapuera, na zona oeste, e a Catedral da Sé, no Centro, têm a ver com Itaquera, na zona leste? Pedras. Tanto a base do monumento como as escadarias da Sé foram feitas com a matéria-prima que durante quase um século gerou empregos e movimentou a economia do bairro que, no dia 6 de novembro, completou 321 anos. Itaquera, aliás, na língua dos índios guaianases, significa “Pedra Dura”.
Muito da história de Itaquera foi documentada pela moradora Magdalena Pellici Monteiro, uma apaixonada por esse pedaço de terra, ou, de pedra. Magdalena tem catalogadas mais de 150 fotografias, antigas e atuais, sobre a região, e está sempre à procura de novos pontos para registrar, como o terreno ao lado do Metrô Corinthians-Itaquera, onde um shopping está em construção.
Magdalena constrói o elo entre o passado e o presente dessa que é hoje uma das regiões mais populosas da cidade, com cerca de meio milhão de habitantes distribuídos em quatro distritos: Cidade Líder, Parque do Carmo, Itaquera e José Bonifácio.
Magdalena viveu por mais de 30 anos dentro da Pedreira União, a primeira a ser fechada, na década de 70. Seu pai, o imigrante italiano Orlando Pellicci, foi administrador da pedreira de 1926 a 1961. “Quando as pedreiras fecharam, houve um grande desemprego. As pessoas que trabalhavam lá não sabiam nem ler nem escrever direito, só sabiam fazer aquilo”, recorda a moradora.
Os imigrantes japoneses
Em Itaquera, próxima ao Pólo Industrial, está uma das maiores áreas verdes de São Paulo, a Área de Preservação Ambiental (APA) do Carmo. Lá se encontram chácaras, em geral de descendentes de imigrantes japoneses, onde resiste o cultivo de flores e frutas e a prática da pesca. A chácara da família Yoshioka é uma das mais antigas da região e atualmente produz ameixa, flores para ikebana (técnica de arranjos japonesa) e mudas de cerejeira, para a festa que acontece todo ano no Parque do Carmo.
Patrício, filho do imigrante japonês Guichi Yoshioka, mantém a tradição agrícola da família no mesmo pedaço de 50 mil metros quadrados adquirido pelo pai em 1937. Aliás, Guichi e outros imigrantes da colônia nipônica emprestam os nomes à maioria das ruas dali, na área delimitada pelo Parque Municipal do Carmo até a divisa com Guaianases e pelas avenidas John Speers e Ragueb Chofhi.
John Speers e Jaime Ribeiro Wright eram os donos de grande parte da área quando os japoneses ali chegaram. A partir de 1925, de olho no potencial daqueles terrenos, lotearam suas fazendas e começaram a vender os pedaços para os imigrantes, interessados no “solo bom para o cultivo”.
“Gosto de Itaquera, o ar é excelente e tem as vias de acesso boas também”, comenta Patrício. Além da plantação para venda, ele e a mãe, Osame, de 93 anos, dedicam especial atenção à sua coleção pessoal de árvores. Dentre as espécies da coleção está um exemplar de Castanopcis (Shii), cuja semente veio do Japão em 1954, trazida por um parente. Patrício era menino quando a árvore ainda tinha pouco mais de um palmo. Hoje, a Shii resplandece, frondosa, ao lado das casas onde ele vive com a esposa, Rosa e seus filhos e netos.
Até 2000, no entanto, a marca da produção na colônia japonesa de Itaquera foi o pêssego, cultivado desde a década de 40. Não é à toa que uma das mais importantes vias da região teve durante décadas o nome de Estrada do Pêssego, e hoje leva a denominação de Jacu-Pêssego, variação que inclui o nome do principal rio que corta o distrito. De acordo com Patrício, os agricultores de Itaquera decidiram finalizar a produção de pêssego em razão da fragilidade da cultura, muito suscetível a doenças e insetos.
A tradicional Festa da Cerejeira, que no último dia 7 de agosto chegou à sua 27ª edição, atrai os habitantes de toda a Colônia de Itaquera e descendentes japoneses de outras partes da cidade. Segundo os cálculos da Associação das Cerejeiras do Parque do Carmo, este ano, as mais de 1.500 unidades de Sakura (nome da árvore em japonês) foram contempladas por mais de 2.000 pessoas.
Delicadas flores
A variedade mais comum no Bosque das Cerejeiras, dentro do parque, é a Yukiwari, cuja florada acontece naturalmente em meados de agosto, mas é “acertada” com o uso de produtos químicos para acontecer em todo primeiro domingo de agosto, quando acontece a festa. A partir da estréia da florada, os interessados em praticar o Hanami (em japonês, hana significa flor, e mi, olhar) têm apenas cerca de 15 dias para apreciar as árvores vestidas das delicadas flores rosas.
Depois, é preciso esperar a próxima florada. “Vamos apreciar a flor que simboliza o Japão, a beleza é sensacional”, diz Patrício, que, com a família, ajuda a organizar a festa. Gratuita, a festa oferece ainda danças folclóricas, musicais e comidas típicas japonesas.
Parque do Carmo: lazer na antiga fazenda
“Itaquera é rica em conhecimento e quero muito que os jovens continuem lutando por ela. Gostaria que essa geração se aprofundasse mais na história de seus antepassados para saber que eles tiveram um passado rico e que têm garra para seguir em frente”, resume Magdalena Pellici.
Os primeiros relatos sobre a área datam do século XVI, mas a ocupação se efetivou no século XVIII, quando foi doada à Província Carmelita Fluminense (atual Ordem Terceira do Carmo), que então iniciou o cultivo de café, laranja, verduras e criação de gado.
A área ocupada pelo Parque do Carmo, com mais de 1,5 milhão de metros quadrados, integrava originalmente a Fazenda Caguassu, cuja área total ultrapassava os sete milhões de metros quadrados
Os carmelitas dividiram a fazenda em várias glebas no começo do século XX. Uma delas foi adquirida em 1919 pelo Coronel Bento Pires de Campos, que ali instalou a Companhia Comercial Pastoril e Agrícola e abriu um loteamento. Uma imagem de Nossa Senhora do Carmo encontrada na capela da casa sede inspirou o nome do lugar: Fazenda Nossa Senhora do Carmo ou, simplesmente, Fazenda do Carmo.
O que restou da antiga fazenda foi vendido para o empresário paulista Oscar Americano, em 1951. Finalmente, em 1976, a área foi desapropriada pela prefeitura para transformá-la em parque público, oferecendo lazer aos moradores de Itaquera e da Zona Leste em geral.
Nos últimos 10 anos, o Parque do Carmo, com 29 anos completos no dia 19 de setembro, passou por reformas estruturais para proporcionar maior conforto e opções de lazer aos seus milhares de visitantes. Uma área de 6 milhões de metros quadrados reúne o Centro de Educação Ambiental, um museu, uma horta com espécies medicinais, uma biblioteca, churrasqueiras, aparelhos de ginástica, campo de futebol, ciclovia, anfiteatro, um planetário recém instalado e um parque infantil. Extensa área verde está preservada, com cafezais e cerejeiras japonesas, seis lagos com pequenas ilhas e fauna variada.
O planetário foi construído em parceria com a iniciativa privada em 2004. Para começar a funcionar, depende de vistoria de técnicos estrangeiros, prevista para acontecer até o final deste ano.
O Parque Municipal Raul Seixas é outro ponto, freqüentado principalmente pelos moradores da Cohab II, vizinhos ao parque. Ali, a Casa de Cultura Raul Seixas oferece cursos e oficinas gratuitos na área das artes.
As marcas do lazer e cultura na região de Itaquera, como a existência da antiga Estação Ferroviária de Itaquera e do Parque do Carmo, marcaram a vida dos moradores.
A Estação Ferroviária de Itaquera é um local que deixou saudade e que hoje só existe na memória dos mais antigos moradores, como Magdalena. Uma réplica da original de 1875 foi recentemente demolida para abrir caminho à obra das alças de acesso que ligarão a antiga Radial Leste à nova.
Na primeira metade do século XX, a Estação era um marco, tanto para encontros afetivos, como para encontros políticos. “Lá tinha o barzinho, a gente comia um pastelzinho e dali íamos para o cinema Itaquera”, recorda Magdalena, que ainda não se recuperou do baque sofrido na madrugada de 4 de junho de 2004, dia em que a estação foi ao chão.

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